Empresa e universidade não poderão exigir que empregados se apresentem com cabelo e barba aparados

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) para condenar a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a TSG Locadora e Serviços Ltda., prestadora de serviços de portaria e recepção, a não mais exigir que empregados se apresentem com cabelo e barba aparados. A decisão prevê, ainda, pagamento de indenização de R$ 30 mil por danos morais coletivos, em razão da conduta discriminatória.

Cavanhaque

O caso tem origem em reclamação trabalhista ajuizada por um vigilante que prestara serviço por cinco meses na UFU e fora demitido depois de, notificado, se recusar a retirar o cavanhaque. A informação chegou ao MPT, que decidiu instaurar inquérito para apurar a existência de discriminação estética.

Na apuração, o MPT descobriu que a proibição do uso de cavanhaque constava do Regimento Interno da Divisão de Vigilância da UFU, o que demonstraria que o caso do vigilante não constituiu fato isolado, “mas conduta contumaz e corriqueira” dentro da instituição de ensino. 

Liberdade

Na avaliação do MPT, a exigência contida no regimento demonstrava que todos os empregados sofriam restrições quanto à imagem pessoal, “privando-os da liberdade de cultivar um simples cavanhaque, por medo de sofrer represálias”.

Caso isolado

O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido do MPT, por entender que o fato havia ocorrido havia mais de quatro anos e que não foram registrados novos casos. Por sua vez, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) entendeu que se tratava de caso isolado.

Segundo o TRT, o Regimento Interno da Divisão de Vigilância e Segurança Patrimonial da universidade estabelece que um dos deveres de seus integrantes é se apresentar ao serviço corretamente uniformizado, com cabelo e barba aparados. Contudo, a unidade conta com 435 empregados, e não foram encontradas provas de que, além do vigilante, outros tenham sofrido restrição de natureza estética.

Inconstitucional

Para o relator do recurso de revista do MPT, ministro Mauricio Godinho Delgado, essa disposição regimental indica condição discriminatória quanto à imagem pessoal dos empregados e representa conduta inconstitucional da empresa e da universidade. O ministro observou que o fato de apenas um empregado ter se insurgido contra a exigência não retira o caráter de discriminação da norma interna. Para Godinho, a indenização é cabível, como medida punitiva e pedagógica, diante da ilegalidade praticada. 

A decisão foi unânime, e a indenização será revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Ementa do acórdão:


“A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA INIBITÓRIA. SERVIÇO DE VIGILÂNCIA. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO AO SERVIÇO COM CABELO E BARBA APARADOS. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação dos artigos 1º, III, 3º, IV, e 5º, X, da CF, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA INIBITÓRIA. SERVIÇO DE VIGILÂNCIA. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO AO SERVIÇO COM CABELO E BARBA APARADOS. CONDUTA DISCRIMINATÓRIA. CABIMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. Discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa – em face de critério injustamente desqualificante – tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada. O princípio da não discriminação tem por finalidade precípua assegurar a proteção, a resistência, sendo denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. As proteções jurídicas contra discriminações na relação de emprego são distintas. A par das proteções que envolvem discriminações com direta e principal repercussão na temática salarial, há as proteções jurídicas contra discriminações em geral, que envolvem tipos diversos e variados de empregados ou tipos de situações contratuais. Embora grande parte desses casos acabe por ter, também, repercussões salariais, o que os distingue é a circunstância de serem discriminações de dimensão e face diversificadas, não se concentrando apenas (ou fundamentalmente) no aspecto salarial. Por outro lado, releva ponderar que, para a configuração do dano moral coletivo, exige-se a constatação de lesão a uma coletividade, um dano social que ultrapasse a esfera de interesse meramente particular, individual do ser humano, por mais que a conduta ofensora atinja, igualmente, a esfera privada do indivíduo. No caso dos autos, apesar de o TRT ter consignado que apenas um único empregado foi dispensado por tratamento discriminatório, decorrente da sua recusa em retirar o cavanhaque, assentou também que o “Regimento Interno da Divisão de Vigilância e Segurança Patrimonial- DIVIG, da Universidade Federal de Uberlândia, estabelece que um dos deveres dos membros da divisão é se apresentar ao serviço corretamente uniformizado, cabelo e barba aparados”. Tais circunstâncias demonstram que a referida disposição normativa indica restrição discriminitória quanto à imagem pessoal dos empregados do setor de vigilância, postura que não condiz com o nosso Ordenamento Jurídico (artigos 1º, III, e 3º, IV, da CF). Com efeito, o fato de apenas um único empregado ter se insurgido contra a

exigência prevista no Regimento Interno da Divisão de Vigilância e Segurança Patrimonial DIVIG, da Universidade Federal de Uberlândia, não retira o caráter discriminatório da norma interna. Dessa maneira, verifica-se cabível a indenização por dano moral coletivo, a ser revertida ao FAT, como medida punitiva e pedagógica em face da ilegalidade perpetrada.

Recurso de revista conhecido e provido.”


Processo: RR-1257-47.2014.5.03.0071.


Fonte: Notícias do TST (vinculado no site www.tst.jus.br).

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