O salário-mínimo pode ser usado como referência para piso salarial, contanto que regra não implique em reajustes automáticos. Sob este entendimento, o STF julgou constitucional a lei 3.999/61, que define o piso de médicos e dentistas, mas determinou o congelamento dos valores, devendo o montante ser calculado com base no salário-mínimo vigente na data da publicação da ata da sessão do julgamento.
A decisão se deu em plenário virtual. O voto condutor foi o da relatora, ministra Rosa Weber.
O pedido
A ADPF pleiteava a invalidade de dispositivos da lei 3.999/61 que tratam do piso salarial e jornada de trabalho dos médicos, também aplicáveis aos cirurgiões dentistas.
O artigo 5º da norma fixa o piso salarial dos médicos em quantia igual a três vezes o salário-mínimo. Já o artigo 8º da norma disciplina a jornada de trabalho desses profissionais da saúde, que não pode ser inferior a duas horas e nem superior a quatro horas.
A ação foi proposta pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS). De acordo com a entidade, a norma está em desacordo com a Constituição, uma vez que a o artigo 7º, inciso IV, da CF estabelece que o salário-mínimo não pode ser vinculado para qualquer fim.
Em relação ao artigo 8º, a Confederação afirma que a limitação da jornada de trabalho impede as negociações sindicais entre empregados e empregadores sobre duração de trabalho, considerando o equilíbrio econômico do setor de saúde brasileiro.
Acrescenta que o próprio STF reconheceu, no julgamento da ADPF 151, “a possibilidade de congelamento dos valores indexados pelo salário-mínimo, aplicando-se dali em diante, até que sobrevenha norma que fixe nova base de cálculo, seja lei Federal, editada pelo Congresso, sejam convenções ou acordos coletivos de trabalho, ou, ainda, lei estadual”.
Decisão
Para a ministra, o parâmetro fixado na lei não é inconstitucional. Ela destacou que o texto constitucional não veda a pura e simples utilização do salário-mínimo como referência, “contanto que a estipulação do piso salarial com referência a múltiplos do salário-mínimo não dê ensejo a reajustamentos automáticos futuros voltados à adequação do salário inicialmente contratado aos novos valores vigentes para o salário-mínimo nacional”.
A ministra manteve, assim, a regra de cálculo prevista na lei impugnada. Por outro lado, adotou o critério de congelamento da base de cálculo, fixando como marco temporal a data da publicação da ata da sessão de julgamento – como já foi feito pela Corte anteriormente. Segundo a ministra, desta forma fica preservado o padrão remuneratório definido pelo legislador sem transgredir a cláusula constitucional que veda a indexação de preços ao salário-mínimo.
A ministra votou, portanto, por dar interpretação conforme a CF, determinando o congelamento do valor dos pisos salariais, devendo o quantum ser calculado com base no valor do salário-mínimo vigente na data da publicação da ata de sessão do julgamento.
Quanto ao art. 8º, o pedido foi indeferido. Para a ministra, o diploma legislativo apenas assegura o direito a uma jornada especial às categorias dos médicos, cirurgiões dentistas e respectivos auxiliares, em conformidade com as condições especiais de trabalho a que estão sujeitos aqueles trabalhadores.
A ministra foi seguida pelos demais membros do colegiado, por unanimidade.
Ementa do acórdão:
“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. PISO SALARIAL DOS MÉDICOS, CIRURGIÕES DENTISTAS E RESPECTIVOS AUXILIARES (LEI Nº 3.999/61). SALÁRIO PROFISSIONAL FIXADO EM MÚLTIPLOS DO SALÁRIO-MÍNIMO NACIONAL. ALEGADA TRANSGRESSÃO À NORMA QUE VEDA A VINCULAÇÃO DO SALÁRIO-MÍNIMO “PARA QUALQUER FINALIDADE” (CF, ART. 7º, IV, FINE). INOCORRÊNCIA. CLÁUSULA CONSTITUCIONAL QUE TEM O SENTIDO DE PROIBIR O USO INDEVIDO DO SALÁRIO-MÍNIMO COMO INDEXADOR ECONÔMICO. PRECEDENTES. JORNADA ESPECIAL DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO DO TRABALHO (CF, ART. 22, I). PRECEDENTES.
1. Distinções entre o tratamento normativo conferido pelo texto constitucional às figuras jurídicas do salário-mínimo (CF, art. 7, IV) e do piso salarial (CF, art. 7, IV).
2. A cláusula constitucional que veda a vinculação do salário mínimo “para qualquer finalidade” (CF, art. 7, IV, fine) tem o sentido proibir a sua indevida utilização como indexador econômico, de modo a preservar o poder aquisitivo inerente ao salário mínimo contra os riscos decorrentes de sua exposição às repercussões inflacionárias negativas na economia nacional resultantes da indexação de salários e preços.
3. Além disso, a norma protetiva inserida no quadro do sistema constitucional de garantias salariais (CF, art. 7, IV, fine) protege os trabalhadores em geral contra o surgimento de conjunturas político-econômicas que constituam obstáculo ou tornem difícil a implementaçãoefetiva de planos governamentais de progressiva valorização do salário-mínimo, motivadas pela aversão aos impactos econômicos indesejados que, por efeito da indexação salarial, atingiriam as contas públicas,especialmente as despesas com o pagamento de servidores e empregadospúblicos.
4. O texto constitucional (CF, art. 7º, IV, fine) não proíbe a utilização de múltiplos do salário-mínimo como mera referência paradigmática para definição do valor justo e proporcional do piso salarial destinado à remuneração de categorias profissionais especializadas (CF, art. 7º, V), impedindo, no entanto, reajustamentos automáticos futuros, destinados
à adequação do salário inicialmente contratado aos novos valores vigentes para o salário-mínimo nacional.
5. Fixada interpretação conforme à Constituição, com adoção da técnica do congelamento da base de cálculo dos pisos salariais, a fim de que sejam calculados de acordo com o valor do salário-mínimo vigente na data da publicação da ata da sessão de julgamento. Precedentes (ADPF 53-MC-Ref, ADPF 149 e ADPF 171, todos da minha Relatoria).
6. Compatível com o princípio da autonomia da vontade coletiva (CF, art. 7º, XXVI) a estipulação, em lei nacional (CF, art. 22, I), de jornada especial a determinada categoria de trabalhadores, consideradas as peculiaridades e as condições a que estão sujeitos no desempenho de suas atividades profissionais. Precedentes.
7. Arguição de descumprimento conhecida. Pedido parcialmente procedente.”
Processo: ADPF 325