Construtoras são condenadas por contratar prestadoras com capital social inferior ao exigido em lei

A  Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a MRV Construções e o Parque Moradas da Serra Incorporações, de Minas Gerais, ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 200 mil, pela contratação de empresas prestadoras de serviços com capital social incompatível com o número de empregados. Segundo o colegiado, as empresas praticaram atos ilícitos contra a ordem jurídica trabalhista e ofenderam a coletividade de trabalhadores.

Capital social

Os parâmetros entre o capital social da empresa e o número de empregados estão previstos no artigo 4º-B, inciso III, alíneas “a” a “e”, da Lei 6.019/1974, que trata do trabalho temporário, e foram introduzidos pela Lei da Terceirização (Lei 13.429/2017). Os valores variam de R$ 10 mil (para empresas com até dez empregados) a R$ 250 mil (com mais de cem).

Em fiscalização do trabalho realizada em junho de 2017, no canteiro de obras, constatou-se que a MRV havia constituído a Parque Moradas da Serra como sociedade de propósito específico (SPE) para a execução da obra. Esta, por sua vez, havia contratado três microempresas para prestar serviço: uma com 50 empregados e capital social de R$ 20 mil, e as outras com sete e 11 empregados e capital social de apenas R$ 5 mil.

Terceirização

Na ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT) argumentou que a Lei 13.429/2017 autorizou a terceirização de forma indiscriminada, mas, como forma de garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas, impôs requisitos ao funcionamento das prestadoras de serviços, entre eles a compatibilidade entre o capital social e o número de empregados. Caberia, assim, à tomadora de serviços verificar se a contratada preenche esses requisitos.

Segundo o MPT, a MRV e a Moradas da Serra, mesmo reconhecendo a falha, se recusaram a assinar termo de ajustamento de conduta (TAC), o que demonstraria que não estavam dispostas a cumprir as exigências legais para a contratação de terceiros. Essa conduta colocaria em risco a observância dos direitos dos trabalhadores terceirizados das obras e configuraria dano moral coletivo.

Sem indenização

A 25ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG) negou os pedidos do MPT, e o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), por sua vez, alterou a sentença apenas para determinar que as empresas se abstivessem de contratar prestadoras de serviços fora dos parâmetros legais, sob pena de multa.  

No entanto, o TRT também rejeitou o pedido de indenização por dano moral coletivo, por não verificar desrespeito a interesse coletivo fundamental. O Tribunal Regional também observou que o MPT não provara que o fato de o capital social das empresas contratadas ser insuficiente teria acarretado violação das obrigações trabalhistas dos empregados envolvidos.

Capacidade financeira

Na avaliação do relator do recurso de revista do MPT, ministro Augusto César, a contratação de prestadoras de serviços com capital social incompatível com o número de empregados desrespeita o próprio comando legal e o ordenamento jurídico que dispõe sobre a segurança no trabalho.

O objetivo da norma, segundo o relator, é garantir a capacidade financeira das empresas para cumprir suas obrigações trabalhistas e o acesso de todos os empregados a ações, instruções e equipamentos destinados à prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho.

Dumping social

Para o ministro, as empresas que contrariam a legislação trabalhista, ao não serem penalizadas pelos respectivos atos, obtêm vantagem injusta sobre as concorrentes que cumprem as mesmas disposições legais. “Trata-se do chamado dumping social, fenômeno responsável pela alavancagem de poderes econômicos em prejuízo do desenvolvimento social e da efetividade dos direitos fundamentais”, explicou.


A decisão foi unânime. 


Ementa do acórdão:


AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL

COLETIVO. ATO ILÍCITO. DESCUMPRIMENTO DE REQUISITOS DE CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS. DEVER DE INDENIZAR. Agravo de instrumento provido ante a constatação de divergência jurisprudencial.

RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ATO ILÍCITO.

DESCUMPRIMENTO DE REQUISITOS DE CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS. DEVER DE INDENIZAR.

TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. No caso em tela, o debate acerca do dano moral coletivo, sob a ótica do dever de indenização decorrente da prática de atos ilícitos, detém transcendência política, nos termos do art. 896-A, § 1º, II, da CLT. Transcendência reconhecida. 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. ATO ILÍCITO. DESCUMPRIMENTO DE REQUISITOS DE CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS. DEVER DE INDENIZAR. O reconhecimento do dano moral coletivo não se vincula ao sentimento de dor ou indignação no plano individual de cada pessoa a qual integra a coletividade, mas, ao contrário, relaciona-se à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado em sofrimento e indignação da comunidade, grupo social, ou determinada coletividade, diante da lesão coletiva decorrente do descumprimento de preceitos legais e princípios constitucionais. Dessa forma, a lesão a direitos transindividuais, objetivamente, traduz-se em ofensa ao patrimônio jurídico da coletividade, que precisa ser recomposto. A caracterização do dano moral coletivo, pois, independe de lesão subjetiva a cada um dos componentes da coletividade, mas sim à repulsa social a que alude o art. 6º do CDC. E mesmo em casos de ato tolerado socialmente – por tradições culturais ou costumes regionais, por exemplo –, é possível verificar a ocorrência do dano moral coletivo, decorrente de lesão intolerável à ordem jurídica. Assim, seja pela ótica da repulsa social, seja no âmbito da afronta à ordem jurídica, a caracterização do dano moral coletivo prescinde da análise de lesão a direitos individuais dos componentes da respectiva comunidade. No caso dos autos, o objeto da demanda diz respeito à contratação, por parte das rés, de empresas prestadoras de serviços com capital social incompatível com o número de empregados, o que ensejou desrespeito não só à própria determinação legal em si, mas aos fundamentos constantes do ordenamento jurídico que subsidiam tal cautela legal, como a segurança dos trabalhadores e a boa-fé. Afinal, o objetivo da regra revolvida é não apenas de garantir a solvência das obrigações trabalhistas, mas, também, e principalmente, de garantir a segurança dos trabalhadores no ambiente laboral, de modo que todos tenham acesso efetivo às ações, instruções e equipamentos destinados à prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho. Ademais, as empresas que perpetram violações à legislação trabalhista, ao não serem apenadas pelos respectivos atos, obtêm vantagem injusta sobre empresas concorrentes do mercado que cumpram as mesmas disposições legais. Trata-se do chamado dumping social, fenômeno responsável pela alavancagem de poderes econômicos em prejuízo do desenvolvimento social e da efetividade dos direitos fundamentais. Portanto, fica claro o dano moral coletivo, em face do descumprimento dos arts. 4°-A e 4°-B da Lei n° 6.019/1974, em flagrante fraude aos direitos trabalhistas. Precedentes. Fixada indenização por danos morais coletivos no importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Recurso de revista conhecido e provido.”


Processo: RR-10709-83.2018.5.03.0025


Fonte: Notícias do TST (vinculado no site www.tst.jus.br).

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