A Justiça do Trabalho da 2ª Região não aceitou pedido de nove guardas municipais de São Caetano do Sul-SP para utilizarem barba e bigode em serviço, o que é proibido pelo regimento interno da categoria. Na sentença, a juíza do trabalho substituta da 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul, Isabela Parelli Haddad Flaitt, defende a conduta do empregador e entende que não é abusivo exigir determinados padrões de comportamento de grupo de servidores no ambiente de trabalho.
“É evidente que o exercício do poder diretivo do empregador encontra limites, principalmente no que se refere aos direitos da personalidade dos trabalhadores, mas, de modo algum, o fato de exigir de uma categoria específica de servidores que não utilizem barba e bigode poderia caracterizar afronta aos direitos da personalidade de tais pessoas”, explica a magistrada.
Os autores da reclamação trabalhista afirmam que exercem o cargo de guarda municipal, todos com contrato ativo, e que estão sendo impedidos de usar costeletas, barba, bigode e cabelos crescidos, fatos caracterizados como transgressão disciplinar pela corporação. Entendem que tais restrições são preconceituosas, assemelham-se a uma perseguição no ambiente do trabalho e discriminam os membros da guarda civil em relação aos demais servidores públicos.
Já o Município se defendeu argumentando que os trabalhadores conheciam as regras de disciplina a que se sujeitaram quando participaram do concurso e posteriormente quando da admissão de cada um deles. E que o fato de os servidores não poderem usar barba não representa discriminação ou violação de direitos da personalidade, mas simplesmente obediência ao regimento.
Conforme o artigo 16 do Regimento Interno da Guarda Civil Municipal de São Caetano do Sul, o guarda deve “apresentar-se ao serviço corretamente fardado, com o uniforme limpo e passado, barbeado, calçados limpos e engraxados, cabelos cortados, conforme prescrições, de modo a deixar ao público a melhor impressão possível, contribuindo de todos os modos a elevar, no conceito da população, a Corporação que serve”.
Trecho da sentença:
“2. Mérito.
2.1. Permissão para utilização de barba e bigode.
Afirmam os reclamantes que estão sendo impedidos de usar costeletas, barba, bigode e cabelos crescidos, fatos que são considerados transgressão disciplinar, mesmo não tendo nada que desabone a profissão ou atividade desempenhada.
Acrescentam que, em que pese não se trate a Guarda Civil Municipal de órgão militar ou a ele comparado, por se tratar de órgão de segurança pública, veda o uso de barba aos seus guardas, mesmo que tais regramentos não sejam aplicados aos demais servidores públicos do município.
Conforme o artigo 16 do Regimento Interno da Guarda Civil Municipal de São Caetano do Sul, o guarda deve apresentar-se ao serviço corretamente fardado, com o uniforme limpo e passado, barbeado, calçados limpos e engraxados, cabelos cortados, conforme prescrições, de modo a deixar ao público a melhor impressão possível, contribuindo de todos os modos a elevar, no conceito da população, a Corporação que serve”.
Entendem os autores que tais restrições se mostram claramente preconceituosas, caracterizada a uma perseguição no âmbito do trabalho, o que gera desconforto e discriminação entre os servidores da guarda civil municipal com as demais classes de servidores.
Quanto ao uso da barba e do bigode, afirmam que não há demonstração de risco ou periculosidade ou mesmo a saúde pública que impossibilite o uso, tratando-se a proibição de violação ao inciso IV do artigo 3º da Constituição Federal, afrontando o princípio da isonomia por gerar discriminação estética, tendo em vista que não há relatos de que outros cargos e funções do município apresentem tais exigências.
O Município réu se defende afirmando que os autores conhecem as regras de disciplina a que se sujeitaram por ocasião de suas adesões ao concurso e posteriormente quando da admissão de cada um deles, não devendo prosperar a pretensão autoral sob pena de tornar o regimento interno da Guarda Civil de São Caetano do Sul letra morta.
Acrescentam que o pedido dos Autores de poderem usar “barba e bigode” de modo algum representa discriminação ou violação de direitos da personalidade, mas simplesmente a obediência ao regimento, o qual, diga-se de passagem, a ele aderiram quando da contratação. Aduzem que a investida dos Reclamantes tem como único intuito o de enfraquecer o regimento interno, vez que, daí em diante, qualquer outra norma disciplinar nele insculpida que, em tese, afronte ou traga aparente confronto aos direitos da personalidade, serão alvos de questionamento perante esta Especializada.
Por fim, afirma o Município réu que os autores passaram por um período de formação e neste já lhes foi levado ao conhecimento todas as obrigações disciplinares a que estariam sujeitos, sendo todas decorrentes do regimento disciplinar interno, inerentes a função para a qual foram admitidos.
Isso significa que os reclamantes já tinham ciência de que deveriam se apresentar para trabalhar com a barba feita e sem bigode.
Passo a analisar.
Considerando o cargo ocupado pelos reclamantes, entendo razoável a exigência constante do Regimento Interno referente a proibição de utilizar barba e bigode.
Isso porque o Município detém o poder diretivo do empregador, poder este que permite a criação de normas de conduta e disciplina, sendo permitida a exigência de condutas mínimas para os guardas municipais relacionadas a apresentação e imagem de tais funcionários.
É evidente que o exercício do poder diretivo do empregador encontra limites, principalmente no que se refere aos direitos da personalidade dos trabalhadores, mas de modo algum o fato de exigir de uma categoria específica de servidores que não utilizem barba e bigode poderia caracterizar afronta aos direitos da personalidade de tais pessoas.
A criação de normas que definem determinados padrões de comportamento, tal como a exigência de que os empregados se apresentarem de determinada forma no ambiente de trabalho, inclusive no que diz respeito à proibição do uso de barba, bigode, cabelos longos, cavanhaque ou costeleta, quando em serviço, não se revela como exigência abusiva ou desarrazoada, considerando o cargo para o qual foram admitidos os reclamantes.
Frise-se que os reclamantes foram admitidos na função de guarda civil que é uma função paramilitar, com exigências típicas e específicas, exigências estas que não são cobradas de outras categorias de servidores do Município, pois não seria razoável e proporcional, e nem por isso se trata de discriminação, como faz crer a parte autora. Pelo contrário, estar-se-ia tratando de forma igual os desiguais caso tal exigência ocorresse em outras categorias de servidores municipais e, aí sim estaria caracterizada a discriminação, haja vista que os demais servidores não concorreram para a função de guarda civil, possuindo suas próprias regras específicas e de acordo com cada cargo ocupado.
Saliente-se, ademais, que o regulamento questionado pelos reclamantes é imposto a todos os Guardas Civis indistintamente. Portanto, não há nenhuma discriminação. Haveria discriminação se as regras aqui questionadas (proibição do uso de barba e bigode) fossem aplicadas tão somente aos autores, ou seja, caso fosse permitido aos demais empregados da mesma categoria (demais guardas municipais) utilizarem barba ou bigode, em desacordo com as regras. Discriminar é tratar de modo diverso aqueles que são iguais, o que não ocorre no presente caso.
Logo, ao aderirem os autores ao contrato de trabalho, por consequência, aderiram obrigatoriamente ao Regulamento Disciplinar aprovado pelo Decreto 8.161/20, artigo 11 e seguintes, que tratam dos atos de indisciplina e suas penalidades, as quais muitas delas, para outras funções, poderiam afrontar a liberdade e talvez os direitos da personalidade, mas para a função dos reclamantes, data vênia, além de serem típicas, os distinguem.
A norma em questão, como bem afirmou o réu, “formulada em termos genéricos e abstratos, tem como finalidade zelar pela aparência dos agentes que corporificam a instituição, posto tratar-se de aspecto decisivo para quem se encontra no exercício de função de autoridade, como é o caso dos guardas civis desta cidade”, agindo o Município réu dentro de seu jus variandi, a fim de uniformizar a corporação e dar a ela uma imagem ilibada do Município.
Destarte, a exigência de conduta prevista no regimento da corporação referente a proibição de utilizar barba e bigode é bastante razoável, considerando o cargo para o qual foram admitidos, sobretudo porque os autores já sabiam de referidas regras quando da admissão.
Por todo o exposto, reconheço que o Regimento Interno da Guarda Civil de São Caetano não afronta nenhum direito constitucional personalíssimo dos reclamantes, nem tão pouco os discrimina ou pode ser considerada como norma
preconceituosa, razão pela qual julgo improcedente o pedido de permissão para utilizarem barba e bigode.”
Processo: 1001770-39.2021.5.02.0472.
Fonte: Clipping eletrônico da AASP (vinculado no site www.aasp.org.br).