A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, para preservar seu equilíbrio econômico-financeiro e assegurar a manutenção dos planos de saúde oferecidos ao público, as cooperativas de trabalho médico podem limitar o ingresso de novos profissionais em seus quadros, desde que a medida seja justificada de forma objetiva e impessoal.
Alinhado a precedentes da corte, o colegiado reafirmou que, embora as cooperativas sejam regidas pelo princípio da porta aberta – segundo o qual o ingresso é livre a todos os que preencherem os requisitos estatutários –, a entrada de novos cooperados pode ser restringida diante da impossibilidade técnica de prestação do serviço, como previsto no artigo 4°, inciso I, e no artigo 29, caput e parágrafo 1°, da Lei 5.764/1971 (Lei das Cooperativas).
Com a decisão, a turma manteve acórdão de segundo grau que julgou improcedente o pedido de oftalmologistas de Sergipe para compelir a Unimed-Sergipe Cooperativa de Trabalho Médico a incluí-los em seus quadros. A cooperativa havia negado o pedido alegando impossibilidade técnica, diante da falta de condição financeira para a incorporação de novos associados – situação que teria sido constatada em juízo após perícia contábil.
No recurso ao STJ, os autores da ação alegaram que a admissão na Unimed deve ser permitida a todo profissional dotado de especialidade em sua área, e que a impossibilidade técnica referida no princípio da porta aberta diz respeito à aptidão do profissional, não ao aspecto econômico-financeiro da entidade associativa.
A ministra Isabel Gallotti, relatora do recurso especial, explicou que o princípio da porta aberta comporta duas hipóteses de restrição ao ingresso de novos profissionais: uma referente à logística da prestação de serviços pela cooperativa, que pode encontrar limites técnicos operacionais; e outra relacionada aos objetivos sociais da entidade e ao preenchimento, pelo aspirante, das condições estatutárias, as quais podem estabelecer limitações a certas atividades. “Trata-se, portanto, de princípio não absoluto e que comporta exceções em prol da própria higidez e continuidade das atividades da sociedade cooperativa, previstas legalmente“, afirmou.
Ela mencionou precedente da Terceira Turma segundo o qual, “atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados” (REsp 1.901.911).
De acordo com a magistrada, essa impossibilidade da prestação de serviços pela cooperativa deve ser comprovada por estudos técnicos, não se admitindo análise arbitrária ou mero juízo de conveniência dos já associados.
Ao negar o recurso, a ministra ressaltou que o regime jurídico híbrido ao qual as cooperativas de trabalho médico estão sujeitas (Leis 5.764/1971 e 9.656/1998) fundamenta a limitação de novos cooperados.
“A interpretação harmônica das duas leis de regência consolida o interesse público que permeia a atuação das cooperativas médicas e viabiliza a continuidade das suas atividades, mormente ao se considerar a responsabilidade solidária existente entre médicos cooperados e cooperativa, e o possível desamparo dos beneficiários que necessitam do plano de saúde“, concluiu a relatora.
Ementa do acórdão:
“DIREITO CIVIL. COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. LIMITAÇÃO DE INGRESSO JUSTIFICADA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LIVRE ADESÃO VOLUNTÁRIA E “PORTAS ABERTAS”. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ANÁLISE À LUZ DO REGRAMENTO DAS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE. 1. Segundo a disciplina da Lei n° 5.764/71, o princípio das “portas abertas”, característico do sistema jurídico das cooperativas, comporta as duas ordens de restrições ao ingresso do interessado: a primeira, contida no artigo 4°, I, referente à própria logística de prestação de serviços pela entidade, que pode encontrar limites operacionais de ordem técnica; e a segunda, prevista no art. 29, relacionada aos propósitos sociais da cooperativa e ao preenchimento, pelo aspirante, das condições estabelecidas no estatuto, as quais podem versar, inclusive, sobre restrições a categorias de atividade ou profissão. 2. Nos termos do artigo 4°, I, da Lei n° 5.764/71, “atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados” (REsp 1901911/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/8/2021, DJe 31/8/2021)” 3. Diante do híbrido regime jurídico ao qual as Cooperativas de Trabalho Médico estão sujeitas (Lei 5.764/71 e Lei n° 9.656/98), jurídica é a limitação, de forma impessoal e objetiva, do número de médicos cooperados, tendo em vista o mercado para a especialidade e o necessário equilíbrio financeiro da cooperativa. A interpretação harmônica das duas leis de regência consolida o interesse público que permeia a atuação das cooperativas médicas e viabiliza a continuidade das suas atividades, mormente ao se considerar a responsabilidade solidária existente entre médicos cooperados e cooperativa e o possível desamparo dos beneficiários que necessitam do plano de saúde. 4. O eventual insucesso no processo de seleção realizado pela cooperativa, atendidos critérios objetivos, não impede o exercício da profissão médica em variados estabelecimentos de saúde, e nem a prestação de serviço como credenciado de outras operadoras de plano de assistência à saúde. 5. Recurso especial a que se nega provimento.”
Processo: REsp 1.396.255 (STJ).
Processo na origem: 200911100613.
Fonte: Notícias do STJ (vinculado no site www.stj.jus.br).