Por entender não ter havido violação a direitos autorais, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial em que a Wacoal America Inc. e a Loungerie S/A pretendiam que a Hope do Nordeste Ltda. fosse impedida de comercializar peças de vestuário íntimo feminino que se assemelhariam à linha de produtos fabricada pelas recorrentes.
Ao julgar ação contra a comercialização de produtos que supostamente imitariam a linha de lingerie da Wacoal/Loungerie, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) refutou a alegação de reprodução indevida por parte da Hope e decidiu pela inaplicabilidade da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998) à indústria da moda.
No recurso apresentado ao STJ, Wacoal e Loungerie pediram a reforma do acórdão sob o argumento de que os atos praticados pela Hope violaram o conjunto-imagem de seus produtos (trade dress). Segundo as recorrentes, a comercialização de produtos semelhantes pela Hope causou confusão no público consumidor e caracterizou concorrência desleal.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, explicou que são passíveis de proteção pela Lei 9.610/1998 as criações que configurem exteriorização de determinada expressão intelectual – com ideia e forma concretizadas pelo autor de modo original –, sendo meramente exemplificativo o rol de obras intelectuais apresentado no artigo 7º da Lei de Direitos Autorais.
“Ao contrário do quanto preconizado no acórdão recorrido, o fato de os produtos fabricados pelas recorrentes estarem inseridos na chamada ‘indústria da moda’ não autoriza, por si só, a conclusão de que eventuais elementos que os integram – como o desenho de bordados, rendas ou estampas – não estejam sujeitos à tutela da Lei 9.610/1998“, afirmou.
Nancy Andrighi observou que, mesmo sem expressa previsão no ordenamento jurídico brasileiro acerca da proteção ao trade dress, é inegável que a legislação dá amparo ao conjunto-imagem, sobretudo porque sua imitação caracteriza concorrência desleal (REsp 1.843.339).
No entanto, a magistrada acrescentou que, para a configuração da prática de atos de concorrência desleal derivados de imitação de trade dress, não basta que o titular comprove que utiliza determinado conjunto-imagem, sendo necessário observar alguns pressupostos, como ausência de caráter meramente funcional, distintividade, confusão ou associação indevida e anterioridade de uso.
“Dado o contexto dos autos – em que as recorrentes deixaram de pleitear o registro de desenho industrial para seus produtos –, era ônus que lhes incumbia comprovar tanto a anterioridade do uso quanto a distintividade do conjunto-imagem, na medida em que, ausentes tais circunstâncias, não se pode falar que a utilização de elementos estéticos semelhantes, que se presume estarem em domínio público, configure concorrência desleal“, completou.
A ministra destacou ainda que, com base em laudo pericial e outras provas, o TJSP concluiu haver diferenças significativas entre as peças de vestuário comparadas e que o uso de elementos que constam da linha estilística das recorrentes aponta, apenas, uma tendência do segmento de moda íntima feminina. Segundo o tribunal paulista, não foi comprovada a prática de atos anticoncorrenciais que pudessem ensejar confusão no público consumidor.
A relatora apontou não ser possível o reexame, em recurso especial, dos fatos e das provas produzidas nos autos, como preceitua a Súmula 7/STJ.
Ementa do acórdão:
“RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INTELECTUAL E CONCORRÊNCIA DESLEAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO E INDENIZATÓRIA. PEÇAS DE VESTUÁRIO ÍNTIMO FEMININO. POSSIBILIDADE, EM TESE, DE INCIDÊNCIA DA LEI 9.610/98. DIREITO AUTORAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. ORIGINALIDADE NÃO CONSTATADA. CONCORRÊNCIA DESLEAL. VIOLAÇÃO DE TRADE DRESS. DISTINTIVIDADE. AUSÊNCIA. CONFUSÃO NO PÚBLICO CONSUMIDOR NÃO VERIFICADA. SÚMULA 211/STJ. SÚMULA 284/STF. SÚMULA 7/STJ. 1. Ação ajuizada em 11/5/2017. Recurso especial interposto em 11/3/2021. Autos conclusos ao gabinete da Relatora em 22/6/2021. 2. O propósito recursal consiste em definir se a recorrida deve se abster de comercializar peças de vestuário que se assemelham à linha de produtos fabricada pelas recorrentes, bem como se tal prática é causadora de danos indenizáveis. 3. São passíveis de proteção pela Lei 9.610/98 as criações que configurem exteriorização de determinada expressão intelectual, com ideia e forma concretizadas pelo autor de modo original. 4. O rol de obras intelectuais apresentado no art. 7º da Lei de Direitos Autorais é meramente exemplificativo. 5. O direito de autor não toma em consideração a destinação da obra para a outorga de tutela. Obras utilitárias são igualmente protegidas, desde que nelas se possa encontrar a exteriorização de uma “criação de espírito”. Doutrina. 6. Os arts. 95 e 96 da Lei 9.279/96 não foram objeto de deliberação pelo Tribunal de origem, de modo que é defeso o pronunciamento desta Corte Superior quanto a seus conteúdos normativos (Súmula 211/STJ). Ademais, as recorrentes sequer demonstraram de que modo teriam sido eles violados pelo acórdão recorrido, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF. 7. A despeito da ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao conjunto-imagem sobretudo porque sua imitação encontra óbice na repressão à concorrência desleal. Precedentes. 8. Para configuração da prática de atos de concorrência desleal derivados de imitação de trade dress, não basta que o titular, simplesmente, comprove que utiliza determinado conjunto-imagem, sendo necessária a observância de alguns pressupostos para garantia da proteção jurídica (ausência de caráter meramente funcional; distintividade; confusão ou associação indevida, anterioridade de uso). 9. Hipótese concreta em que o Tribunal de origem, soberano no exame do conteúdo probatório, concluiu que (i) há diferenças significativas entre as peças de vestuário comparadas; (ii) o uso de elementos que constam da linha estilística das recorrentes revela tão somente uma tendência do segmento da moda íntima feminina; e (iii) não foi comprovada a prática de atos anticoncorrenciais que pudessem ensejar confusão no público consumidor. 10. Não sendo cabível o revolvimento do acervo fático e das provas produzidas nos autos em sede de recurso especial, a teor do entendimento consagrado na Súmula 7/STJ, é de rigor o desacolhimento da pretensão recursal. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.”
Processo: REsp 1.943.690 (STJ).
Processo na origem: 0504126-38.2019.8.13.0000 (TJMG).
Fonte: Notícias do STJ (vinculado no site www.stj.jus.br).